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Testemunhos do nosso passado rural

Ir à procura de saberes que passaram de geração em geração

‘Ferramentas do Linho e da Lã, o ADN do Povoamento Rural da Madeira’ de Danilo José Fernandes é uma edição de 2016 do Grupo de Folclore e Etnográfico da Boa Nova com apoios da Fundação INATEL, Câmara Municipal do Funchal, Casa-Museu Frederico de Freitas e Direcção Regional da Cultura e uma tiragem de 500 exemplares. Como o título indica, foi realizado pelo investigador um levantamento exaustivo dos utensílios do linho e da lã, suas designações, feitios e manuseamento, recorrendo a testamentos do século XVIII, outras publicações e a entrevistas a tecedeiras ou seus familiares. A tradição oral expressa através de trovas, adivinhas, adágios e provérbios, as plantas barreleiras (branqueadoras) e tira-nódoas, o linho e a II Guerra Mundial, lapsos e equívocos, origens, glossário, catálogo das ferramentas do linho e da lã, adquiridas ou de colecção particular patentes no Núcleo Museológico de Arte Popular (NMAP) no Centro Cívico de Santa Maria Maior, no Funchal, dão corpo a esta obra.

Na Região, o fadário do linho (como João Adriano Ribeiro escreve no prefácio), também conhecido como os tormentos do linho, tem origens no “Portugal beirão, com início na antiguidade, cujos usos e costumes se estenderam às ilhas adjacentes no século XV”. Começando na linhaça, depois a semeadura, colocado em maçadoiras, tasquinhado, sedado, colocado em estrigas, fiado, atado em meadas, dobado, urdido e terminando na teia. A três variedades deste tecido de proveniência vegetal como o moio, o linho e a estopa.

A recolha de informações obtidas em freguesias que não tinham sido suficientemente estudadas na área
da tecelagem como Gaula, Caniço, Câmara de Lobos, Estreito de Câmara de Lobos, Campanário, Tabua e Madalena do Mar, que foram esquecidas no decorrer do tempo pelo surgimento de novas artes como o bordado.

Por uma questão de espaço darei destaque à parte relativa ao linho, mas a que respeita à lã é digna de igual atenção do leitor que queira conhecer esta publicação.

Um legado documental sobre o linho e a lã no Arquipélago da Madeira

A expansão da cultura do linho nas Ilhas da Madeira e do Porto Santo assentou sobretudo no modo de exploração de auto-suficiência para confecção de roupas do lar e vestuário, colchões, sacos para uso doméstico e para a lavoura, panos de limpeza, cordas, entre outros. A venda de linho era tida em conta só depois de satisfeitas as exigências
de tecido necessárias para a casa que eram prioritárias.

Sobre a planta é uma herbácea constituída por uma substância fibrosa cuja parte exterior da haste se extrai a fibra têxtil para o fabrico de tecidos e por uma substância lenhosa que é o tomento. Das sementes oleaginosas faz-se uma farinha usada para cataplasmas de linhaça com fins medicinais.

Aquando do povoamento introduziram-se dois tipos de linho: o galego e o mourisco vindos do Continente. A haste do primeiro tem uma altura entre 60 e 70 centímetros, sendo apreciado pela sua finura, enquanto que o segundo tem uma haste curta que não vai além dos 50 centímetros de comprimento, mas que é mais fibroso que o primeiro. Em meados do século passado, a então Estação Agrária do Funchal introduziu outra variedade designada de ‘Arc-en-Ciel’ (‘Arco-íris’), tendo sido ensaiada em Santana com bons resultados e passando a ser cultivada. O seu caule maleável atinge mais de 1 metro e é fino, ideal para o cultivo e para a manufactura. No final dos anos 80 da centúria anterior, numa época que o fabrico de linho estava extinto, o Engenheiro António Silva que era o responsável pela Direcção Regional de Agricultura de Entre o Douro e Minho) foi incumbido de reactivar aquela produção baseada em dois segmentos: tradicional e inovador. Para o efeito trouxe uma nova semente resultante do cruzamento de duas variedades importadas, ‘Belinka’ e a ‘Natasja’ que alcançou excelentes desempenhos, mormente um rendimento em fibra de cerca do triplo, quando comparado com o galego. Esta experiência fez com que o linho ainda seja cultivado nas freguesias dos Canhas e Santana.

Em termos de ciclo produtivo, a linhaça era semeada entre os meses de Janeiro e Março, baseada em ditados antigos, embora se recomendasse aquele amanho cultural preferencialmente na primeira sexta-feira de Março porque os “antigos diziam que era o único dia que não havia lua nem maré” e que era seguido nas freguesias da Ponta do Pargo, Porto Moniz e Ribeira da Janela. Na Fajã da Ovelha, Canhas, Ribeira Brava, Machico, São Roque do Faial e Faial, semeava-se o trigo na mesma data que o linho. Já no Porto da Cruz, Santana, Ilha e São Jorge, perto da Semana Santa, a linhaça era lançada à terra no momento em que se desenraizava e cultivava novamente o ‘inhame de sola’ (aquele que é plantado todos os anos), isto é, tinha lugar uma consociação porque o inhame ajudava a suster o linheiro. Na apanha, as épocas variam consoante a localização geográfica, pelo que a oeste, na Fajã da Ovelha e Ponta do Pargo, assim como a norte, Porto Moniz e Ribeira da Janela acontecia entre o dia de São João e o dia de São Pedro. Noutros lugares como Machico, Porto da Cruz, Santana, Faial, Ilha e São Jorge, o linho era arrancado em meados de Junho.

Ao longo dos capítulos seguintes descreve-se com pormenor, através de figuras, fotografias e de texto, as ferramentas do linho e da lã, suas características e funções.

Como plantas barreleiras e tira-nódoas dão-se alguns exemplos como a abóbora, azedas, agrião da ribeira, inhame, jarro, novelo, tomate barrela (o mesmo que capucho, da serra ou lagartixa), Zabel Dias (também conhecida por amor de burro, Isabel Dias, malpica e setas), bolsa de pastor e azedas, sendo estas duas últimas plantas tira-nódoas.

Uma nota de apreço para o catálogo como capítulo final, onde estão agrupados os diversos utensílios utilizados na fiação do linho e da lã, identificando-se o tipo de madeira empregado na construção, o proprietário, a localidade e a data de aquisição ou doação e que se encontram expostas no NMAP.

É, sem dúvida, um legado documental da importância do linho e da lã para as gentes deste Arquipélago desde o povoamento até meados do século XX que agora está preservado nesta publicação de 220 páginas. Merece, pois, uma leitura e consideração por parte dos que querem conhecer melhor a história popular dos nossos avoengos, encontrando-se disponível para aquisição no Núcleo Museológico (telemóvel: 917235321; email:grupo.boanova@gmail.com), à Rua das Murteiras, n.o 25 B, freguesia de Santa Maria Maior, ou na Livraria Esperança, à Rua dos Ferreiros, n.o 156, ambos no Funchal. agricultando@gmail.com http://agricultando.blogs.sapo.pt

(“Diário de Notícias, 30/06/2019, p. 38, texto de Joaquim Leça”)

Foto DR

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